Um Olhar Sobre a Investigação
O futuro das relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos, já profundamente afetadas pelas tarifas impostas pelo ex-presidente Donald Trump, agora se torna ainda mais incerto em virtude do julgamento da Seção 301. Este mecanismo, utilizado pelos EUA, visa combater o que consideram práticas comerciais desleais. O Escritório do Representante de comércio dos Estados Unidos (USTR) iniciou uma investigação contra o Brasil, em resposta a alegações de irregularidades comerciais, conforme um comunicado oficial emitido em 15 de julho.
A medida, fundamentada na Seção 301 da Lei de comércio de 1974, permite que o governo americano investigue e tome ações unilaterais contra países que, na sua perspectiva, adotam práticas prejudiciais ao comércio. O julgamento, crucial, ocorrerá em solo norte-americano.
Investigações e Alvos Específicos
Dentre os pontos de investigação, destacam-se o sistema de pagamentos instantâneos conhecido como PIX, tarifas consideradas injustas e preferenciais, e a comercialização do etanol brasileiro, além de questões relacionadas à proteção da propriedade intelectual e às medidas anticorrupção. Os EUA sustentam que essas práticas estariam prejudicando não apenas empresas, mas também trabalhadores e agricultores americanos.
Caso a investigação conclua que o Brasil realmente adota práticas desleais, o governo dos Estados Unidos poderá incrementar tarifas, suspender benefícios comerciais ou implementar outras formas de retaliação. Por outro lado, se não forem encontradas irregularidades, poderia haver uma diminuição ou até a revogação das medidas retaliatórias.
Negociações e Expectativas
Gerson Camarotti, jornalista e analista político, destaca que o cenário envolvendo o tarifaço se agrava. A relação entre os dois países, já fragilizada, pode sofrer ainda mais com a escalada da crise. A busca por um entendimento, segundo o embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima, pode ser dividida em duas fases: a negociação, que não trouxe os resultados esperados, e a via judicial, que agora se impõe após a abertura da investigação.
Ainda de acordo com Graça Lima, houve um momento em que parecia haver uma oportunidade de diálogo, mas isso não se concretizou. A exclusão de setores como a Embraer da tarifação foi vista como uma estratégia para evitar prejuízos para os Estados Unidos, evidenciando que a lógica econômica prevaleceu sobre a diplomática.
Respostas do Brasil e Ações Futuros
Em resposta à investigação, o Itamaraty informou que está formulando uma manifestação robusta, elaborada por uma força-tarefa composta por servidores experientes. Hussein Kalout, consultor internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), afirma que a posição do Brasil não é meramente protocolar, mas sim uma defesa técnica contra o tarifaço.
Um dado relevante, segundo Kalout, é que os principais produtos que os EUA exportam ao Brasil entram sem tarifas, o que contradiz as alegações americanas. O ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência destaca que o presidente Lula não deve aceitar discutir questões judiciais que envolvam o ex-presidente Jair Bolsonaro, considerando isso inconstitucional.
Compromisso com a Negociação
Em uma declaração em suas redes sociais, o Ministério das Relações Exteriores reafirmou que o Brasil não desistirá de buscar um entendimento com os Estados Unidos. Apesar das tentativas de negociação, fontes diplomáticas relatam que as conversas entre os dois governos têm avançado a passos lentos. A impressão no Itamaraty é a de que Trump não está interessado em negociar, mas sim em impor suas condições.
Um diplomata envolvido nas discussões expressou frustração com a abordagem dos EUA, considerando a investigação uma ferramenta de pressão econômica. A seletividade das tarifas americanas, que visam penalizar países com governos considerados desafiadores, revela uma estratégia que tem beneficiado aliados de Trump.
Na visão de Graça Lima, as tentativas de negociação se esgotaram antes da implementação do tarifaço, e agora o foco recai sobre a investigação da Seção 301. O futuro das relações comerciais entre Brasil e EUA, portanto, está nas mãos do sistema judicial americano, cujas decisões poderão moldar o comércio entre as duas nações nos próximos anos.