investigação dos EUA mira o PIX em busca de práticas comerciais desleais
O sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, conhecido como PIX, tornou-se um dos focos de uma investigação comercial conduzida pelos Estados Unidos a pedido do presidente Donald Trump. Na documentação oficial que acionou a investigação, o governo norte-americano não fez menção direta ao PIX, mas mencionou ‘serviços de comércio digital e pagamento eletrônico’, referindo-se aos produtos oferecidos pelo governo brasileiro, sendo o PIX o único sistema estatal nessa categoria.
O Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) afirmou que o Brasil pode estar praticando ‘uma série de ações desleais’ relacionadas aos serviços de pagamento digital, incluindo favorecimentos a soluções desenvolvidas pelo governo. Segundo especialistas consultados, a competição acirrada com grandes empresas de tecnologia e bandeiras de cartões de crédito dos EUA pode explicar essa atitude dos EUA. Contudo, eles argumentam que não há razões substanciais para contestar a eficácia do PIX, que é visto como uma inovação.
O sucesso do PIX está sendo interpretado como uma ‘ameaça’ ao setor financeiro nos Estados Unidos, especialmente com o avanço da versão internacional do sistema e os diálogos entre os países do Brics em busca de alternativas ao dólar nas transações comerciais.
Concorrência com empresas norte-americanas
O PIX, que é gratuito para pessoas físicas e possui taxas reduzidas para empresas, tem se mostrado uma forte concorrência para operadoras de cartão de crédito dos EUA, como Visa e Mastercard. De acordo com Jorge Ferreira dos Santos Filho, economista e professor da ESPM, ‘o sistema desafia as fintechs americanas, já que a regulação nos EUA permite taxas sobre transferências instantâneas, enquanto no Brasil as empresas precisam se integrar ao PIX para operar’.
Ferreira acrescenta que essa obrigatoriedade força as empresas a reavaliarem suas estratégias de negócio devido à possível redução de receita. O impacto também se estende a gigantes da tecnologia que disponibilizam serviços de pagamento, como o Google. Ralf Germer, CEO da PagBrasil, considera que o PIX é um sistema de ponta que fomenta uma concorrência saudável, mas não acredita que sua existência configure uma ameaça direta aos interesses dos EUA.
Ele destaca que ‘o PIX não foi desenvolvido para competir ou substituir outros métodos de pagamento, como cartões de crédito. Desde a sua introdução, esses meios continuaram a crescer’. Ademais, afirma que as empresas americanas tiveram tempo para se adaptar e implementar soluções competitivas ao PIX em termos de custo e experiência do usuário.
PIX Internacional e a influência do Brics
Além disso, o Banco Central do Brasil (BC) vem trabalhando para desenvolver o PIX Internacional, que já é aceito de maneira limitada em alguns países, como Argentina, EUA (Miami e Orlando) e Portugal (Lisboa). O BC acredita que o uso do sistema fora do Brasil é, atualmente, ‘parcial’ e restrito a locais específicos. A expectativa, porém, é que, no futuro, os pagamentos transfronteiriços se tornem uma realidade, interligando sistemas de pagamentos instantâneos globalmente.
Especialistas apontam que a potencial adoção do PIX Internacional entre os países do Brics pode criar desconforto nos EUA, uma vez que isso poderia minar a paridade do dólar em negociações internacionais, ameaçando a posição dominante da moeda no sistema financeiro global. Conforme Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, ‘a criação de uma moeda única entre os países do Brics e o uso do PIX podem reduzir a influência do dólar nas transações comerciais entre essas nações’.
O sucesso do PIX como modelo global
Pedro Henrique Ramos, diretor-executivo e fundador do RegLab, indica que a principal preocupação dos EUA parece ser a percepção de que o Brasil está favorecendo seu próprio sistema de pagamento às custas de empresas privadas norte-americanas. Ele explica que, quando um regulador opera com sucesso, como é o caso do Banco Central do Brasil e o PIX, a ‘pressão internacional’ tende a aumentar.
Ramos observa que o PIX se transformou em um modelo de inovação estatal que pode ser replicado em outros países, aumentando a influência geopolítica do Brasil. Com mais de R$ 26,4 trilhões movimentados em 2024, o PIX se consolidou como um exemplo a ser seguido em termos de infraestrutura digital de pagamentos.
O desafio da infraestrutura pública de baixo custo
Os questionamentos dos EUA sobre sistemas de pagamento digital refletem uma discussão mais abrangente que envolve grandes companhias tecnológicas americanas, como Google e Meta (WhatsApp), que são potenciais concorrentes do PIX. Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre, aponta que essas empresas têm resistido a regulações brasileiras, especialmente em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que podem impactar sua operação.
As disputas envolvendo as big techs, segundo Valls, contribuíram para a retórica de Trump, que em diversas ocasiões tentou influenciar a Suprema Corte do Brasil. Em uma recente decisão, a maioria dos ministros votou pela responsabilização das redes sociais pelo conteúdo gerado por seus usuários, o que gerou preocupação nas plataformas.
Em resumo, a investigação sobre o PIX levanta questões complexas sobre o equilíbrio entre a competição leal em sistemas de pagamento e as tensões geopolíticas que envolvem as economias emergentes e as grandes potências comerciais.