Um Legado em Perigo
A Reserva Extrativista do Alto Juruá (Resaj), situada em Marechal Thaumaturgo, Acre, foi pioneira no Brasil ao ser instituída em 1990, tornando-se um símbolo da luta pela conservação ambiental e pela valorização das comunidades que vivem em harmonia com a floresta. Entretanto, após três décadas desde a sua criação, a Resaj se depara com uma série de desafios que ameaçam sua viabilidade e propósito original.
A oficialização da reserva foi um marco na política ambiental brasileira, ocorrendo por meio do Decreto nº 98.863, em 23 de janeiro de 1990, dois anos após o trágico assassinato do líder seringueiro Chico Mendes em Xapuri. O objetivo era estabelecer um equilíbrio entre a conservação ecológica e o uso sustentável dos recursos naturais, assegurando os direitos das comunidades locais, que dependem da extração de produtos como látex, castanhas e óleos vegetais para sua subsistência.
Expansão e Consolidação do Modelo
Nos anos seguintes à criação da Resaj, o modelo de reservas extrativistas se expandiu pela Amazônia, com a fundação de áreas como a Reserva Extrativista Alto Tarauacá, Chico Mendes e Rio Cajari, entre 1991 e 1995. Na década de 2000, essa abordagem foi adaptada para outras partes do Brasil, abrangendo regiões costeiras e ribeirinhas. Ao longo da década de 2010, houve um avanço na gestão participativa, com o desenvolvimento de planos de manejo colaborativos e uma presença mais forte do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
No entanto, apesar das conquistas, a Resaj enfrenta atualmente desafios significativos. A pressão por desmatamento e por atividades ilegais, como a pesca predatória e a exploração madeireira, têm aumentado alarmantemente. A fiscalização, que é dificultada pela localização remota da unidade, depende de recursos que têm sido cada vez mais escassos nos últimos anos.
A Importância da Escuta Comunitária
A gestão participativa, que é uma característica essencial da Resaj, também está sendo afetada. Embora oficinas de escuta e a elaboração do plano de manejo continuem a ser realizadas com apoio do ICMBio, muitos moradores relatam que a amplitude do diálogo tem diminuído e que decisões estão sendo tomadas sem uma consulta adequada às comunidades locais.
Orleir Moreira, presidente das associações que representam os moradores da reserva, destaca a relevância de incorporar as vozes locais no processo de gestão. “O plano de manejo deve emergir da escuta das lideranças e da comunidade, pois só assim terá legitimidade e refletirá o que desejamos para nosso território. Aqui, indígenas e extrativistas coexistem, e é vital que essa diversidade esteja presente no plano”, afirmou ao ContilNet Notícias em 28 de agosto deste ano.
A Dependência de Recursos Externos
Embora haja esforços institucionais contínuos, os investimentos diretos do governo federal em reservas extrativistas permanecem limitados em relação ao que as comunidades realmente necessitam. A maioria dos recursos destinados a projetos de fortalecimento da produção sustentável e da segurança alimentar provém de fontes externas, como organismos multilaterais e iniciativas de cooperação internacional.
O projeto para a implementação de sistemas agroflorestais na Resaj, anunciado em maio de 2024, é um exemplo disso. Ele foi financiado pelo Banco Mundial, totalizando cerca de R$ 2,4 milhões. Essa iniciativa, embora positiva, evidencia a dependência financeira externa e a fragilidade do orçamento destinado às políticas públicas voltadas para o extrativismo.
Desafios Demográficos e Sociais
Outro desafio significativo é a migração de jovens para os centros urbanos. A falta de políticas eficazes para educação e geração de renda tem levado os jovens a abandonarem as práticas tradicionais de extrativismo, colocando em risco a continuidade cultural e a sucessão geracional. Um artigo publicado pelo Instituto Juruá, em abril de 2025, apontou que a precariedade na infraestrutura educacional e a escassez de oportunidades econômicas têm sido fatores decisivos para essa migração.
Diante desse cenário adverso, lideranças locais e organizações sociais estão se mobilizando para fortalecer redes como o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e reivindicar uma maior presença do Estado na região. Em entrevista ao portal Agro em Campo, Letícia Moraes, vice-presidente do CNS, expressou a urgência de reconhecimento do papel das comunidades extrativistas. “A Amazônia pertence também a nós, que protegemos esses territórios e mantemos nossos modos de vida. É fundamental que nosso protagonismo seja considerado nas decisões climáticas globais”, afirmou.
Assim, a Reserva Extrativista do Alto Juruá, que um dia foi um exemplo internacional de conservação com justiça social, agora enfrenta uma luta crítica para preservar o legado de Chico Mendes. O futuro da reserva e das comunidades que dela dependem está em jogo, e a necessidade de ação urgente se torna cada vez mais evidente.