Em uma decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a competência dos Tribunais de Contas para julgar e aplicar sanções a prefeitos que, além de exercerem suas funções executivas, também são responsáveis por ordenar despesas públicas em suas cidades. Essa decisão fortalece a função de fiscalização desses órgãos e amplia a responsabilização dos gestores que cometem irregularidades na administração dos recursos públicos. Com essa nova interpretação, os Tribunais de Contas ganharam um papel ainda mais relevante na supervisão e controle da gestão financeira municipal.
O julgamento foi realizado no contexto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 982, proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). A análise foi concluída durante uma sessão virtual que se encerrou em 21 de fevereiro deste ano, marcando um passo significativo na jurisprudência relacionada à fiscalização das contas públicas.
O relator do caso, ministro Flávio Dino, enfatizou que restringir a atuação dos Tribunais de Contas poderia comprometer seriamente a fiscalização dos recursos públicos. Ele argumentou que a exclusão dessa competência resultaria em um “inevitável esvaziamento” do controle externo sobre os prefeitos que concentram o poder de ordenar despesas, o que poderia levar a um aumento das irregularidades na gestão pública. O ministro ressaltou que a Constituição Federal confere autonomia técnica e funcional aos Tribunais de Contas, permitindo que desempenhem efetivamente sua função de fiscalização e controle.
Dino também fez uma distinção importante entre as contas de gestão, que são de responsabilidade direta dos prefeitos na sua função de ordenadores de despesas, e as contas de governo, que abrangem a execução orçamentária geral e são submetidas ao julgamento político das Câmaras Municipais. Essa diferenciação é crucial para entender o novo cenário estabelecido pela decisão do STF.
Com essa nova orientação, os Tribunais de Contas estão autorizados a aplicar penalidades como multas e exigir a devolução de valores aos cofres públicos em casos de má gestão ou prejuízo ao erário. Vale ressaltar que essas punições têm caráter administrativo e financeiro, e não geram efeitos eleitorais, como a inelegibilidade, que continuam sendo de responsabilidade exclusiva do Legislativo.
Além disso, o STF determinou a anulação de decisões judiciais não definitivas que tenham invalidado sanções aplicadas pelos Tribunais de Contas a prefeitos, desde que essas sanções não se relacionem a questões eleitorais. Essa medida visa garantir a integridade do processo de fiscalização e assegurar que os prefeitos sejam responsabilizados por suas ações.
Ao final do julgamento, os ministros do STF firmaram uma tese clara: os prefeitos que atuam como ordenadores de despesas têm a obrigação de prestar contas detalhadas sobre a gestão de recursos, bens e valores públicos. Os Tribunais de Contas têm a responsabilidade de julgar essas contas, conforme estabelecido no artigo 71, inciso II, da Constituição. Em casos de irregularidades, os Tribunais podem impor débitos e sanções administrativas, sem a necessidade de aprovação das Câmaras Municipais, exceto em questões de natureza eleitoral, que permanecem sob a alçada do Legislativo.
O advogado Gilson Pescador foi consultado sobre o impacto dessa decisão do STF. Ele destacou que a nova regra pode complicar a situação de muitos políticos. “Vários candidatos que participaram das últimas eleições poderiam não ter sido eleitos se essa decisão do STF tivesse sido tomada antes. Agora, muitos que foram eleitos poderão enfrentar dificuldades em futuras candidaturas a prefeito, pois a Câmara Municipal perdeu o poder de aprovar contas de prefeitos independentemente do julgamento do Tribunal de Contas”, explicou.
Pescador também ressaltou que a decisão do STF transforma o parecer prévio dos Tribunais de Contas em um parecer definitivo, reforçando o papel desses tribunais. “Com essa mudança, os Tribunais de Contas agora têm decisão vinculante sobre as contas públicas dos prefeitos, independentemente da votação política na Câmara Municipal”, afirmou.
O jurista alertou que os gestores precisarão estar mais vigilantes e preparados para apresentar suas defesas e demonstrar a correta utilização dos recursos públicos. “É essencial que os gestores mantenham uma documentação rigorosa, incluindo processos administrativos e notas fiscais, respeitando a lei de responsabilidade fiscal. A partir de agora, a decisão do Tribunal de Contas se torna definitiva e não há mais instância de recurso que possa ser utilizada”, concluiu.
Com essas mudanças, o cenário da administração pública no Brasil está em transformação, e os prefeitos terão que se adaptar a uma nova realidade de maior fiscalização e responsabilidade. Essa decisão representa um marco importante na luta por uma gestão pública mais transparente e responsável, beneficiando a sociedade como um todo.