A Celebração dos 45 Anos de Carreira
Se o Acre pudesse cantar, com certeza sua voz seria a de Sérgio Souto. Natural de Sena Madureira, o cantor e compositor possui um estilo que remete à ligação profunda com a natureza, refletindo em suas letras a essência da cultura acreana. Suas canções evocam memórias, histórias de resistência e amores, sentimentos que só podem ser plenamente compreendidos por aqueles que compartilham essa identidade.
O artista, que em 2025 completará 45 anos de carreira, recentemente conversou com a GAZETA sobre sua jornada musical. Com um tom bem-humorado, ele revisitou sua trajetória, consciente de que o envelhecimento é um presente. “Saí de Sena e me mudei para Rio Branco aos nove anos; aos quinze, fui para o Rio de Janeiro e, por lá, me urbanizei, tornando-me um ‘urbanóide’, perdendo um pouco do contato com a floresta”, revelou. No entanto, sua volta às origens ocorreu com um nome icônico: Aldir Blanc.
“O Aldir compôs uma canção em homenagem ao Chico Mendes, chamada ‘Senhor da Floresta’. É uma canção linda que, embora gravada, não teve a repercussão que merecia. Ao todo, fizemos 14 músicas juntos”, comentou Souto, mencionando também um samba que o letrista fez para o bloco carnavalesco acreano Urubu Cheiroso.
A Música Como Destino
O destino, sempre surpreendente, levou Sérgio Souto a compartilhar palcos com grandes nomes da música brasileira. Após ganhar um festival, ele teve a oportunidade de se apresentar em São Paulo, dividindo a cena com artistas como Caetano Veloso, Fagner e Alceu Valença. “Cantando um fado chamado O Navegante, não conquistei o troféu, mas abri as portas para meu futuro na música”, disse, refletindo sobre a escolha que deixou a fotografia de lado para abraçar a música. “Acho que sempre estive no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas.”
Participando de diversos festivais ao longo da carreira, Souto não consegue lembrar quantos venceu, mas estima que são pelo menos dez. Seu talento rendeu músicas que se tornaram clássicos em novelas e programas de televisão, como ‘Minha Aldeia’ e ‘Falsa Alegria’, que levaram o sotaque acreano para todo o Brasil. “Nunca imaginei que chegaria a tanto”, admite.
Sobre o processo criativo, Sérgio revela que muitas vezes ele se inspira em conversas informais: “Com os amigos, um bom papo pode resultar em um samba ou uma frase. Um exemplo? Acordo de madrugada com uma ideia e escrevo, depois volto a dormir. A melodia é mais complexa; antes, eu usava um gravador, agora me adapto ao celular.”
Retorno ao Acre e Novos Desafios
Após passar três anos em Vitória, no Espírito Santo, Sérgio voltou ao Acre com a bagagem de quem conheceu novos lugares e culturas. Contudo, ao fixar residência, sentiu que não era mais a novidade na cena local. “Um amigo me chamou de decadente”, ele ri, “mas a velhice é um presente. Estou feliz.” Mesmo assim, o cantor expressa a inquietação de quem sabe que os projetos na música acreana frequentemente enfrentam dificuldades. “Parece que gostavam mais do meu trabalho quando eu estava fora”, enfatiza. Para ele, a música acreana merece ser mais ouvida e vivida.
Em Rio Branco, Sérgio leva uma vida tranquila, cercado por plantas, redes e boa música. “Gosto de cuidar do meu jardim. É um lugar bacana”, destaca.
Uma Festa para Celebrar a Cultura
No último dia 15, ele celebrou os 45 anos de carreira em um evento no Afa Jardim, que reuniu artistas renomados como Moças do Samba, Lina Grasiela, Lidianne Cabral, Camille Castro e Rogério Rock. Durante a festa, ele reviveu sucessos que falam sobre as paisagens do Acre e experiências de amor, lamentando que representantes das fundações culturais não compareceram. “É triste notar a ausência, pois o evento não é apenas sobre mim, mas sobre a cultura do Acre”, disse.
Além disso, Sérgio ressaltou a importância de investir nas artes: “O que realmente representa um estado, sua cultura e riqueza são os artistas, não os políticos. Música, dança, artes plásticas… São esses elementos que enriquecem um povo e merecem ser valorizados”.
A Voz do Acre e seu Legado
Entre risos e reflexões, Sérgio compartilhou uma frase que sintetiza sua visão: “O acreano precisa ser mais acreano”. Ele, que se considera “acreaníssimo”, defende que, para a música e a cultura local ganharem força, é essencial despolitizar o cenário cultural. “Aqui existem muitos talentos, mas a cultura acaba sendo influenciada por políticas que não favorecem seu crescimento. Acredito firmemente que nossos artistas merecem mais visibilidade.”
Amigos e parceiros acreditam em Sérgio e em seu legado. O poeta Joãozinho Gomes, por exemplo, vê na música de Souto a proteção e a essência da floresta. O letrista Sérgio Natureza também deixou seu apoio: “Um Sérgio e um Souto se uniram na ponte aérea entre Rio Branco e Rio de Janeiro, criando uma riqueza musical que ainda ressoará por muito tempo.”
Preparando-se para uma nova viagem ao Rio de Janeiro e depois a Brasília e Lisboa, Sérgio segue plantando não apenas canções, mas também memórias e árvores. O homem que trocou a fotografia pela música continua a revelar imagens de um Brasil que também se reconhece no sotaque acreano.