Análise da Crise Estrutural e Política
Recentemente, o governo brasileiro optou por levar ao judiciário a questão do IOF, alegando que o Congresso invadiu suas competências. O Executivo possui a prerrogativa de alterar a alíquota do IOF, e a proposta de Decreto Legislativo só seria pertinente caso houvesse uma transgressão das responsabilidades governamentais. A suposição de que essa ação pode intensificar o conflito político parece infundada, já que a tensão já é elevada, e as opções do governo para acalmar a situação são limitadas. É comum que um clima político tumultuado surja em tempos de crise econômica, mas o cenário atual revela que diversos indicadores apresentam resultados positivos.
A inflação, por exemplo, tem mostrado sinais de desaceleração, com instituições financeiras reduzindo suas previsões de índices para o ano. O Boletim Focus, por sua vez, registrou a décima queda consecutiva na estimativa do IPCA, agora em 5,2%. O Bradesco, por sua vez, projeta um índice ainda menor, fixado em 5%. Embora esses números estejam acima do teto da meta, a tendência é de queda, em grande parte impulsionada pela valorização do dólar, que recuou cerca de 12% no primeiro semestre. Os preços dos alimentos também têm apresentado alívio, com reduções significativas em produtos emblemáticos; no último IPCA-15, por exemplo, o preço do ovo caiu 7%. Além disso, a taxa de desemprego se encontra em 6,2%, o menor patamar histórico, e a previsão do PIB gira em torno de 2,2%.
O Verdadeiro Cerne da Crise Brasileira
Entretanto, a verdadeira natureza da crise não reside nos indicadores econômicos de emprego, crescimento, câmbio ou inflação. O que se observa é um grave problema fiscal estrutural que resulta no aumento da dívida pública. Em maio, o país enfrentou um déficit e a dívida aumentou; porém, nos cinco primeiros meses do ano, o resultado foi de superávit. O desajuste fiscal não é um fenômeno recente nem será resolvido rapidamente; para tanto, é necessário um plano robusto que enfrente a questão.
A crise pode ser caracterizada, antes de tudo, como uma crise política, acentuada pelo comportamento do Congresso. O aumento desproporcional das emendas, que atingiram níveis insustentáveis desde a administração de Jair Bolsonaro, e os altos valores dos fundos partidário e eleitoral, têm feito com que os políticos não dependam mais das negociações com o governo para alcançar suas metas. Essa situação gera uma anomalia na dinâmica entre os poderes no Brasil.
O Bradesco, em seu mais recente relatório, indicou que desde o final do ano passado houve uma mudança na percepção de riscos, principalmente devido a fatores externos. A valorização do câmbio e a redução das pressões inflacionárias e da curva de juros foram determinantes para essa melhora. Embora a situação fiscal continue incerta, o banco mantém a expectativa de que as metas do arcabouço fiscal para este ano e o próximo sejam cumpridas. A projeção é de que, até o final deste ano, haja uma redução na taxa de juros. Para o ano de 2026, a previsão é de inflação em torno de 3,8%, dentro do intervalo da meta, embora ainda não no centro dela. Portanto, a realidade não é tão alarmante a ponto de justificar a intensa agitação política.
Reflexão sobre o Clima Político e o Mercado de Trabalho
Recentemente, o presidente da Câmara, Hugo Motta, acusou o governo de promover um clima de “nós contra eles” no país. Na semana passada, ele surpreendeu ao colocar em votação o projeto de aumento do IOF, resultando em uma derrota significativa para o governo. A questão que fica é: quem efetivamente iniciou essa dinâmica de “nós contra eles”? O ambiente no Congresso parece estar direcionado para “derrotar o governo”, e essa estratégia foi, de fato, bem-sucedida. Agora, Motta alega que o clima se deteriorou por culpa do Executivo.
Dados do Caged, divulgados ontem, indicam que o mercado de trabalho formal no Brasil criou 149 mil novas vagas com carteira assinada em maio. De acordo com o IBGE, os números até maio mostram o mercado de trabalho em seu melhor nível nos últimos dez anos. No trimestre de março a maio, o número de desempregados caiu em 644 mil, e o total de pessoas empregadas aumentou em 1,2 milhão. A população desalentada, que representa aqueles que não buscam emprego por acreditar que não encontrarão, diminuiu 10% no trimestre, somando agora 2,9 milhões, comparado a seis milhões em 2021.
Perspectivas para o Futuro Fiscal
O estresse fiscal exigirá do governo uma proposta ambiciosa, especialmente no que diz respeito ao fim das indexações de despesas. Contudo, como apresentar tais propostas se o Legislativo não aprova nem mesmo medidas menores? Reformas são necessárias em qualquer contexto. A reforma que nos trouxe o real foi proposta e implementada em um ano eleitoral, sob um mandato curto, o de Itamar Franco. Portanto, é imprescindível que o governo encontre uma saída para essa crise fiscal, mesmo que a implementação fique a cargo da próxima administração. Qualquer grupo político que assumir o governo no próximo ano terá pela frente um enorme desafio: enfrentar o problema das emendas parlamentares para garantir a governabilidade do país.
Míriam Leitão, jornalista e escritora.