A Polícia Federal está conduzindo uma investigação que aponta o uso da Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada no acre, como um possível ponto de lavagem de dinheiro para o Comando Vermelho, uma das facções criminosas mais poderosas do brasil. Essa situação representa um marco preocupante no país, revelando um novo nível de sofisticação nas estratégias de ocultação de receitas ilícitas provenientes do narcotráfico e de outras atividades criminosas. Fontes da Polícia Federal e do icmbio indicam que alguns produtores rurais e fazendeiros nas regiões entre Boca do acre e Lábrea, no Amazonas, foram cooptados pelo crime organizado. Esses indivíduos estariam colaborando para dar uma aparência legítima ao dinheiro oriundo de atividades ilegais, como o tráfico de drogas e assaltos a bancos, por meio da venda de gado fictício, uma técnica conhecida popularmente como “gado de papel”.
A prática de venda de gado fictício é um método complexo que envolve a criação de registros falsos e pode incluir a corrupção de agentes públicos. O processo geralmente começa com a declaração de um número de cabeças de gado maior do que o realmente existente na propriedade. Esse saldo é registrado na Ficha Sanitária junto aos órgãos de defesa agropecuária, especialmente durante campanhas de vacinação, quando os proprietários são obrigados a atualizar suas informações. A partir daí, o criminoso gera documentos como notas fiscais e Guias de Transporte Animal (GTA), que conferem uma aparência de legitimidade às transações, mesmo que o gado seja apenas uma invenção.
Outro passo crucial é a simulação de vendas do gado fictício, onde notas fiscais são emitidas para justificar a entrada de dinheiro ilícito no sistema financeiro. O suposto lucro obtido com essas vendas é então declarado como renda legítima, o que “esquenta” o dinheiro sujo. Em alguns casos, o gado fictício pode ser misturado a rebanhos reais antes de ser vendido a frigoríficos, complicando ainda mais o rastreamento da origem dos recursos.
Além disso, existem variações nesse esquema, como o subfaturamento de custos ou superfaturamento de lucros nas transações, permitindo que o dinheiro ilícito seja inserido nas contas como parte de lucros fictícios. A participação de outras facções, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), também não está descartada, especialmente após operações que desmantelaram redes de lavagem de dinheiro, revelando uma aliança entre o CV e o PCC que movimentou bilhões de reais.
A atuação do icmbio, responsável pela fiscalização ambiental em áreas como a Reserva Extrativista Chico Mendes, tem sido um fator determinante para o avanço das investigações. Os agentes do icmbio, ao verificarem a documentação de propriedades, perceberam discrepâncias alarmantes entre os números de gado reportados e a realidade encontrada no campo. Documentações que indicavam a presença de grande quantidade de gado em localidades onde os animais simplesmente não estavam, levantaram suspeitas que embasaram a atuação da Polícia Federal.
Ainda mais alarmante, um áudio vazado revelou a convocação de pistoleiros para reagir contra os agentes do icmbio, evidenciando a hostilidade enfrentada por aqueles que tentam combater as práticas criminosas na região. A escalada de violência culminou em um atentado registrado na Reserva Extrativista, onde estradas foram bloqueadas e tentativas de incêndio em acampamentos de fiscalização foram relatadas. A resposta das autoridades foi contundente, resultando na prisão de três indivíduos durante uma operação em andamento.
A situação se agravou recentemente, quando criminosos invadiram um frigorífico em Brasileia, no acre, onde gado apreendido estava sendo abatido. Em um áudio, um homem alegando ser membro do Comando Vermelho fez ameaças ao proprietário do frigorífico, destacando a gravidade da situação e a influência da facção na área.
No entanto, em uma reviravolta, o mesmo indivíduo posteriormente desmentiu sua ligação com o Comando Vermelho, alegando que suas palavras foram ditas em um momento de raiva e que a facção não estava envolvida nas disputas. Essa mudança de narrativa reflete a instabilidade e a complexidade do cenário criminal na região, onde a pressão das autoridades pode levar a reações inesperadas.
José Augusto Pinheiro, um dos representantes do movimento que se opõe às ações do icmbio, IBAMA e Polícia Federal, foi abordado pela reportagem, mas declarou não ter conhecimento sobre a participação de fazendeiros em práticas ilícitas. A Superintendência da Polícia Federal no acre foi contatada para comentar sobre as investigações, mas não se manifestou até o fechamento desta matéria. A situação continua a se desdobrar, revelando a intersecção entre crime organizado, exploração ambiental e a luta pela legalidade em regiões vulneráveis.