Um Ícone da Música Popular Brasileira
Celebrar os 90 anos de Geraldo Vandré é, sem dúvida, marcos significativos na história da música popular brasileira (MPB). Na verdade, este aniversário carrega a importância de relembrar um artista que, ao longo de sua vida, se tornou um verdadeiro enigma, cuja trajetória nunca foi completamente desvendada. Em 1964, ano em que Vandré lançou seu primeiro álbum, o Brasil vivia tempos turbulentos com a ditadura militar em ascensão. Perseguido ferozmente por seu ativismo político e musical, sua canção ‘Pra não dizer que não falei de flores’, que se tornou um hino de resistência, o transformou em um símbolo da luta contra a repressão e levou o artista a um exílio forçado, tanto fora quanto dentro do país.
A canção, que ecoou nas mobilizações estudantis do festival de 1968, não apenas consolidou Vandré como um dos grandes compositores da MPB, mas também o catapultou para uma posição de destaque, tornando-o alvo da censura e da repressão. Assim, ele se tornou uma figura central na luta pela liberdade de expressão no Brasil, enfrentando os horrores do regime militar que buscava silenciar vozes críticas.
A Imortalidade e o Exílio de Vandré
Geraldo Vandré, ciente de seu papel como mártir da música brasileira, viveu em exílio autoimposto após o lançamento de sua famosa obra. Seu último álbum, ‘Das terras de benvirá’, foi lançado em 1970 e, desde então, sua presença no cenário musical se tornou cada vez mais escassa, com sua última gravação ocorrendo em 1973 na França, onde encontrou abrigo. O retorno ao Brasil em 1973, que quase não aconteceu devido à intervenção providencial de um general que o poupou da prisão, foi apenas o início de uma nova fase: a de um exílio em sua própria terra. Desde então, o artista sempre negou ter sofrido tortura, mesmo em suas raras entrevistas, o que levanta questões sobre seu estado emocional e psicológico após os anos de repressão.
As aparições públicas do cantor tornaram-se praticamente inexistentes ao longo das décadas. No entanto, em março de 2018, Vandré quebrou um longo silêncio de 50 anos, realizando duas apresentações em João Pessoa (PB). Curiosamente, seu último show, como músico profissional, havia ocorrido em 1968, na mesma época da promulgação do Ato Institucional nº 5, um dos momentos mais sombrios da história brasileira.
Reflexões sobre um Artista Polêmico
Um artista que sempre expressou firmes convicções nacionalistas, Vandré, em uma reviravolta surpreendente, compôs em 1985 uma canção para a Força Aérea Brasileira, intitulado ‘Fabiana’, que só foi finalizada em 1988. Essa composição nasceu do acolhimento que recebeu durante uma internação em um hospital da Aeronáutica, reavivando a lembrança de seu desejo de infância de ser aviador. No entanto, essa proximidade com os militares gerou estranhamento, considerando sua história de resistência contra a ditadura militar.
Apesar das críticas e da ausência de explicações sobre essa relação, é importante ressaltar que Vandré não deve satisfação a ninguém. Somente ele compreende as dores e traumas que carrega de um passado conturbado, um legado que continua a ressoar na sociedade brasileira. O que realmente importa, no fim das contas, é reconhecer que, após tantos anos de repressão e silenciamento, o Brasil ainda deve uma explicação ao já nonagenário Geraldo Vandré, que viu sua voz calada durante os anos de chumbo e cujas canções, até hoje, ecoam a luta por liberdade e justiça social.