Tecnologia a Serviço da Saúde
Aos 78 anos, Maria enfrenta o desafio de manter sua pressão arterial sob controle, tomando sete medicamentos diversos em horários específicos durante o dia. O comprimido matinal, por exemplo, deve ser ingerido às 8h, mas a possibilidade de esquecimento é um risco real. Se na próxima consulta sua pressão estiver descontrolada, a responsabilidade pode ser atribuída tanto a uma falha na terapia quanto à falta de adesão ao tratamento.
Esse cenário não é singular. Milhões de brasileiros, especialmente entre a população idosa, lidam diariamente com a complexidade do uso de múltiplos medicamentos. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, realizada pelo IBGE em colaboração com o Ministério da Saúde, revelam que muitos idosos no Brasil utilizam medicamentos de forma contínua, o que exige atenção e organização.
É alarmante que uma parcela significativa da terceira idade não siga corretamente as prescrições médicas. A adesão insatisfatória a tratamentos pode ter consequências severas. Uma revisão de estudos realizada pela Universidade de São Paulo (USP) entre 2011 e 2021 destacou que a taxa de não adesão entre os idosos pode variar entre 5,4% e 88,24%, dependendo da população e do método de avaliação considerados.
Além do impacto na saúde individual, a falta de adesão a medicamentos sobrecarrega o sistema de saúde. Pacientes que não seguem seu regime de medicação tendem a ter mais internações e consultas de emergência. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 2017 revelou que 14% dos atendimentos de emergência no Hospital de Clínicas de Porto Alegre estavam relacionados a medicamentos, incluindo falhas na adesão ao tratamento.
Inovação Brasileira em Medicamentos
Buscando resolver essa problemática, Fernando Bizerra, farmacêutico com doutorado na área de saúde, fundou a RenovatioMed e desenvolveu um dispositivo inovador que, embora simples, conta com tecnologia avançada. “Criamos um organizador inteligente de medicamentos com sensores e uma placa eletrônica, totalmente desenvolvido no Brasil”, relata Bizerra.
O dispositivo, que recebeu suporte da Fapesp através do programa Centelha, coleta dados que são analisados em um aplicativo e na plataforma da empresa. “O nosso dispositivo opera de forma autônoma, sem necessidade de interação constante do paciente ou do cuidador”, observa o empreendedor. “Capturamos automaticamente o acesso aos medicamentos pelo organizador.”
Um dos diferenciais do sistema é a capacidade de identificar tentativas de acesso fora do horário programado. Ao tentar pegar um medicamento em momento inadequado, o dispositivo emite alertas luminosos com LEDs vermelhos, sinalizando que aquele remédio não deve ser ingerido. Essas informações são registradas para serem analisadas pela equipe de saúde.
Embora existam outras soluções no mercado, a criação de um dispositivo físico para monitoramento é uma iniciativa rara. “Trabalhar com hardware é um grande desafio”, reflete Bizerra. “Queremos evitar o esquecimento e prevenir erros na administração de medicamentos.”
O organizador possui capacidade para acomodar toda a medicação de uma semana, possibilitando até quatro horários de dosagem diários. “Ele emite alertas sonoros e luminosos”, explica Bizerra. “Os compartimentos que contêm os medicamentos ficam verdes no momento da ingestão, permitindo capturar essa informação e registrar cada ação do paciente.”
Acompanhamento em Tempo Real
Por meio do aplicativo, tanto familiares quanto pacientes têm acesso a informações em tempo real, incluindo a lista de medicamentos, os horários de cada dose e a confirmação se os remédios foram tomados conforme indicado. “Se, após 45 minutos, o paciente não tiver ingerido o medicamento, receberá uma notificação em seu celular”, esclarece Bizerra.
Além dos pacientes individuais, a plataforma é vantajosa para instituições de saúde, clínicas e operadoras de planos, permitindo o acompanhamento global dos pacientes que utilizam o dispositivo, com dados sobre a adesão de cada um. Para cada paciente, é possível acessar informações detalhadas sobre o tratamento e perfil.
O feedback dos usuários tem sido muito positivo. “Os familiares ressaltam a facilidade de uso e a melhoria na rotina de todos em casa”, afirma Bizerra. Contudo, ele enfatiza a necessidade de expandir as pesquisas. “Temos pacientes e familiares usando o dispositivo há mais de dois anos, com funcionalidade contínua e sem falhas, o que demonstra a robustez do aparelho.”
Um caso notório foi o de uma paciente diabética com glicemia descontrolada. A família tinha dificuldade em monitorar o tratamento e havia incertezas sobre a adesão à medicação. Com o dispositivo, foi possível registrar que ela estava tomando 100% dos medicamentos conforme indicado. Como os exames ainda mostravam níveis glicêmicos elevados, o médico teve segurança para ajustar o tratamento. “Ajudamos a paciente, sua família e o profissional de saúde com dados que influenciaram diretamente na mudança de tratamento”, conclui Bizerra.
Modelo de Aluguel Acessível
A RenovatioMed disponibiliza o dispositivo tanto para operadoras de planos de saúde quanto para clientes individuais, com um custo mensal de R$ 40. Esse valor abrange o aluguel do dispositivo, acesso ao aplicativo e suporte técnico oferecido pela empresa. Atualmente, a startup atende cerca de 50 pacientes.
Durante a fase de validação, o dispositivo foi testado no sistema Unimed com resultados satisfatórios. “Passamos de um protótipo para um produto consolidado”, afirma Bizerra. A empresa participou de programas de inovação e fomento promovidos pelos governos federal e estadual e, radicada no Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos, agora busca escalar a comercialização do dispositivo.
