Cenário de emergência no Acre
No dia 6 de agosto, o governo do Acre publicou o decreto Nº 11.733, declarando situação de emergência no estado devido à estiagem e ao aumento significativo das temperaturas. A gravidade da situação é evidenciada pelo triplo aumento nas internações em UTIs pediátricas em comparação a cinco anos atrás.
“Quero que ela saia daqui, fique bem e não precise mais voltar”, desabafa Prislaine da Silva Matos, emocionada ao observar sua filha, Helena, de apenas quatro meses, internada desde julho no Hospital da Criança. Helena, diagnosticada com bronquiolite, apresenta um quadro grave e aguarda alta há mais de dois meses.
Desde maio, o Acre tem enfrentado um crescimento alarmante nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), resultando na superlotação das unidades de terapia intensiva pediátrica. Esse aumento está diretamente relacionado à sazonalidade do vírus sincicial respiratório (VSR), o que levou o governo a decretar emergência em maio, através do decreto nº 11.688, com o intuito de implementar medidas urgentes diante do surto.
Crise Hídrica e Calor Extremo
Paralelamente, a capital acreana enfrenta uma crise hídrica severa. Com o nível do Rio Acre atingindo a menor cota já registrada, de 1,23 metro, o governo declarou emergência em 6 de agosto, consequência da seca extrema. Esse panorama no Acre revela uma tendência alarmante: a intensificação de fenômenos climáticos extremos em intervalos curtos.
A cada ano, o estado tem registrado recordes de calor e níveis críticos de poluição do ar, além das menores cotas do Rio Acre. Um estudo recente da Universidade Federal do Acre (Ufac) indica que o Acre é uma das regiões brasileiras mais afetadas por eventos climáticos extremos, com o ano de 2010 sendo visto como um marco dessa mudança.
Os pesquisadores analisaram dados de 1987 a 2023 e observaram um aumento na frequência de inundações, secas, crises hídricas e incêndios florestais. A coautora do estudo, Sonaira Silva, destaca que, após 2010, os eventos extremos passaram a ocorrer em maior frequência, com dois ou mais episódios anuais por município.
Impacto na Saúde Infantil
Nesse contexto de crise, o grupo mais vulnerável é a população infantil, especialmente crianças de 0 a 6 anos. Estudos indicam que a exposição prolongada a altas temperaturas pode elevar significativamente o risco de doenças respiratórias e outras complicações nessa faixa etária.
Um relatório do Núcleo Ciência Pela Infância ressalta que bebês e crianças pequenas são mais suscetíveis ao calor extremo, já que seus corpos menores se aquecem mais rapidamente e têm menos capacidade de dissipar calor. Isso pode prejudicar o funcionamento do sistema imunológico, aumentando a vulnerabilidade a doenças.
Superlotação nas UTIs Pediátricas
Diante do aumento dos casos de síndromes respiratórias, o governo do Acre decretou estado de emergência, ampliando a estrutura hospitalar com 10 novos leitos na UTI pediátrica do Hospital da Criança, totalizando 70 leitos para atender a demanda crescente.
A pediatra Socorro Elizabeth Rodrigues de Souza explica que a sazonalidade do VSR causa bronquiolite entre março e junho, aumentando drasticamente as internações. A evolução dos dados é alarmante: em maio de 2020, ocorreram 64 internações, enquanto no mesmo mês deste ano, esse número saltou para 186, quase três vezes mais.
Desde 2020, a UTI pediátrica tem registrado um aumento de 29% nas internações, refletindo os impactos a longo prazo das doenças respiratórias graves que podem afetar a saúde das crianças até a vida adulta. A vacinação se torna uma medida preventiva essencial para minimizar riscos.
A Luta de Mães e Comunidades
Prislaine aguarda ansiosamente pela alta de Helena, que enfrenta complicações após uma traqueostomia. Assim como ela, muitas mães, como Maria Cleuciane Menezes, lidam com os efeitos da estiagem e da seca, buscando formas de proteger seus filhos das altas temperaturas e da falta de água. “Fecho janelas e coloco toalhas molhadas, mas é difícil amenizar”, lamenta.
A situação é ainda mais crítica para crianças em comunidades indígenas, como na Aldeia Twatwa, onde a seca compromete a saúde e a segurança alimentar. O cacique Sabá Manchineri observa que a escassez de água e a morte de peixes afetam a nutrição e a imunidade das crianças. “As crianças são as mais afetadas, pois não têm autonomia para buscar o que precisam”, ressalta.
Desafios e Perspectivas
A promotora de Justiça Joana D’Arc Dias Martins destaca que a crise climática viola direitos humanos, afetando principalmente as crianças. “A Constituição já garante o direito a um meio ambiente saudável, e a justiça climática é um aspecto fundamental a ser considerado nas políticas públicas”, enfatiza.
Com a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, o governo brasileiro tem a oportunidade de priorizar a saúde e o bem-estar de crianças em situações de vulnerabilidade. Mariana Luz, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, menciona que a integração de ações entre os diferentes níveis de governo é crucial para enfrentar as desigualdades sociais e garantir um futuro mais justo para as próximas gerações.