Movimento Histórico em Busca de Representatividade
Localizados no coração da Amazônia, os povos indígenas do Acre estão se reconfigurando na arena política do Brasil. O aumento do acesso à internet tem sido um fator crucial para comunidades tradicionais, como os Huni Kuin (ou Kaxinawá), que agora se integram a debates nacionais. Essa nova dinâmica não apenas facilitou a comunicação, mas também gerou uma consciência coletiva sobre a importância dos direitos e da representatividade, culminando em iniciativas sem precedentes para as eleições de 2026.
A introdução da internet nas terras indígenas do Acre representa um marco para grupos como os Huni Kuin, que vivem em áreas remotas como a Terra Indígena Alto Rio Purus. Antes isoladas, essas comunidades agora utilizam a rede para coordenar esforços importantes. Manoel Kaxinawá, ex-vereador de Santa Rosa do Purus e uma voz proeminente entre os indígenas, compartilhou com ac24horas: “A internet é fundamental para nós hoje, onde antes não havia acesso. Facilita o diálogo, mesmo que não estejamos próximos fisicamente; conseguimos nos reunir virtualmente.”
Esse acesso à internet vai além da comunicação diária, permitindo que as comunidades acompanhem notícias e políticas nacionais. Txuã Domingos Huni Kuin, tesoureiro da Federação do Povo Huni Kuin do Acre (FEPHAC) e candidato à prefeitura em 2024, observou um crescente interesse político nas aldeias. “Com a internet, nós, povos indígenas que antes não sabiam da política ou nunca viram candidatos, agora acompanhamos tudo pelos noticiários”, afirmou ao ac24horas.
Polarização Política e Neutralidade nas Comunidades
Apesar do aumento no acesso à informação, a polarização política que divide o Brasil entre direita e esquerda ainda não tem grande ressonância nas comunidades indígenas do Acre. A maioria opta por uma postura neutra, considerando isto uma forma de proteção coletiva. Manoel Kaxinawá explicou: “Nós, Huni Kuin do Acre, nos mantemos neutros em relação a esses conflitos. Não nos interessamos em entender profundamente o que significam esquerda ou direita.”
No entanto, a experiência de governos federais molda as opiniões. Txuã comparou as administrações: “Nos quatro anos de Jair Bolsonaro, a situação foi bastante difícil para as comunidades. Houve muitas divisões.” Em contraste, ele notou avanços durante o governo Lula: “Hoje temos representação na saúde indígena, com um indígena atuando diretamente nessa área. A esquerda se faz mais presente entre nós do que a direita atualmente.”
Cléber Pinheiro Sales, vice-prefeito de Jordão e conhecido como Cléber Kaxinawá, atribui divisões passadas à falta de educação formal. “As divisões criadas pelo povo não indígena surgiram por uma escassez de conhecimento político. A esquerda e a direita vinham oferecendo alimentos, dinheiro e outras benesses”, comentou. Com a crescente escolaridade e o acesso à internet, ele espera uma diminuição dessas manipulações, enfatizando a importância de priorizar líderes de suas próprias comunidades. “Vamos buscar melhorias com quem realmente se preocupa conosco”, assegurou.
A Candidatura de Manoel Kaxinawá e a Mobilização das Aldeias
Em um movimento significativo, mais de 100 aldeias das 12 terras indígenas demarcadas no Acre se uniram para lançar Manoel Kaxinawá como pré-candidato a deputado estadual em 2026. Reconhecido pela maioria das 130 aldeias em cinco regiões – incluindo Santa Rosa, Jordão e Tarauacá –, Manoel busca promover uma verdadeira representação política. “Enfrentamos diversos problemas em nossos territórios, como a necessidade de geração de emprego para nossos artesãos. Uma das nossas propostas é construir uma casa de apoio para estudantes indígenas”, prometeu.
Cléber Kaxinawá, que já abriu caminho com sua eleição como vice-prefeito em Jordão, apóia plenamente essa inciativa. “É a nossa chance em 2026. Todas as regiões onde vivem os Huni Kuin estão unidas. Aqui em Jordão, Manoel Kaxinawá pode contar conosco”, afirmou, ressaltando que essa união, facilitada pela tecnologia, é fundamental para que os indígenas ocupem espaços de poder e lutem por seus direitos.
Questões Culturais e Politicas no Debate Indígena
Nas discussões entre os indígenas, temas como casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto são abordados sob a perspectiva da tradição cultural, priorizando o bem coletivo em detrimento do individual. Cléber Kaxinawá enfatiza a visão Huni Kuin: “Na nossa cultura, não se aceita a homossexualidade. Se um parente tem tais interesses, é uma escolha pessoal. Nossa tradição se baseia em relações entre homem e mulher.” Embora haja casos isolados, a comunidade se recusa a aceitar práticas que não estão alinhadas à sua cultura.
Manoel Kaxinawá adota uma abordagem prudente: “Não quero me aprofundar no tema da homossexualidade. Quanto ao aborto, sabemos que, embora aconteça raramente, ainda é uma realidade. Acredito que devemos trabalhar a política ouvindo as lideranças e considerando todos os aspectos envolvidos.”