Uma História de Reencontro
Em um evento marcante, os povos indígenas Nawa, do Brasil, e Kapanawa, do Peru, se reuniram após um longo intervalo de 103 anos desde que suas interações foram documentadas pela última vez. O reencontro ocorreu no dia 18 de setembro na comunidade de Limoncocha, situada às margens do rio Tapiche, na província de Requena, no Departamento de Loreto, Nordeste do Peru. A iniciativa contou com o suporte da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a colaboração da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e da Rainforest Foundation Noruega (RFN-Peru).
Representantes das duas culturas, como o cacique Railson Nawa e a professora Lucila Nawa, destacaram a importância da ocasião para reavivar os vínculos culturais e promover a língua ancestral de ambos os povos, que compartilham uma origem comum em áreas próximas à fronteira. A reunião foi conduzida pelo professor Humberto Sachivo, do povo Kapanawa, que também reforçou a relevância desse encontro para a preservação cultural.
Revivendo as Raízes
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Um dos momentos emblemáticos da reunião foi a fala de Ykaruni Nawa, que ressaltou a confusão histórica em torno do nome do seu povo, que foi erroneamente registrado como Nawa durante o contato em torno de 1903. Ele revelou que sua ancestral Mariruni era, na verdade, Kapanawa, deixando um legado que une as duas culturas. O livro “O Juruá Federal: o território do Acre”, escrito por José Moreira Brandão Castello Branco Sobrinho em 1922, é uma das principais referências que documenta essa conexão, ao relatar uma conversa com Mariruni, reconhecida como a última ancestral do povo Nawa/Kapanawa no Brasil.
Mais tarde, em 1943, o etnólogo Curt Nimuendaju reforçou a ligação cultural entre os dois povos através do “Mapa etnolinguístico do Brasil e regiões adjacentes”.
Desafios e Conquistas
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Lucila Nawa, bisneta de Mariruni e atual guardiã da língua no Brasil, expressou seu desejo de reviver a língua que seus antepassados falavam, afirmando que, embora os Kapanawa no Peru ainda sejam fluentes, os Nawa no Brasil perderam grande parte do idioma, mantendo apenas algumas palavras. “É a nossa história e queremos preservar o que conseguimos”, afirmou.
O cacique Railson também aproveitou o encontro para dialogar com seu homônimo da comunidade de Limoncocha, com a intenção de organizar um novo encontro em breve. Ele mencionou o esforço significativo que foi necessário para chegar até ali, uma jornada de cinco dias a partir de sua aldeia no Acre, e ressaltou que, com a ajuda de coordenadas geográficas, poderiam atravessar a floresta para se encontrar de forma mais direta no futuro.
Uma Missão Coletiva
A jornada dos Nawa para a comunidade Kapanawa envolveu uma extensa viagem que começou no Noroeste do Acre, passando por Brasília, Lima, Iquitos e Requena, no Peru, além das localidades de Santa Elena e Fátima, na região do alto rio Tapiche. Foram cinco dias de deslocamento contínuo, com paradas apenas para descanso.
No final do encontro, um documento importante foi assinado, reforçando a identidade compartilhada dos povos Nawa e Kapanawa. A “Carta de Limoncocha” destaca a necessidade de um intercâmbio contínuo, a promoção de cultura e língua, além de trocas de informações entre os territórios desses povos nativos.
O evento contou com a presença de várias personalidades, como a assessora política da RFN-Peru, Beatriz Huertas, a coordenadora da Coiab, Dineva Kayabi, e representantes da Gerência de Povos Indígenas Isolados e Recente Contato (GPIIRC/Coiab), que estiveram presentes para apoiar a causa.