Análise dos Resultados Eleitorais na Bolívia
A contagem de votos do último domingo (17) trouxe um panorama inédito para a política boliviana. O senador Rodrigo Paz Pereira, representando o Partido Democrata Cristão (PDC), se destacou na corrida eleitoral, conquistando 31,7% dos votos. Essa vitória representa um marco, já que o partido de esquerda MAS (Movimento ao Socialismo) perdeu a hegemonia de quase 20 anos. O segundo turno promete ser disputado contra Jorge “Tuto” Quiroga, do Partido Liberdade e Democracia, que obteve 27,1% dos votos.
O resultado da primeira fase das eleições já havia evidenciado um recuo significativo da esquerda, ao deixar o MAS de fora da disputa decisiva. A resposta do eleitorado a essa mudança pode ser vista como uma punição ao partido governista, afetado pelas divisões internas entre o ex-presidente Evo Morales e o atual mandatário Luis Arce, além da grave crise econômica que a Bolívia enfrenta atualmente.
Contexto Socioeconômico: Uma Esquerda Enfraquecida
A atual conjuntura econômica do país é bastante delicada e, segundo analistas, contribuiu para o resultado da votação. Com um crescimento econômico estagnado, considerado o mais baixo da América Latina pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a Bolívia lida com uma escassez crítica de dólares, agravada pela queda nas exportações de gás. Para piorar, a inflação disparou, tornando produtos básicos inacessíveis para muitos.
Por outro lado, o MAS, principal partido de esquerda, tem enfrentado sérios desafios internos, resultantes de disputas entre Morales e Arce. Isso culminou na fragmentação da legenda, que havia sido um símbolo de força sob a liderança de Morales, que governou de 2006 a 2019. No início deste ano, Morales tentou promover sua própria candidatura, mas foi impedido devido à falta de regularização jurídica da nova sigla. Sua saída da situação política foi seguida por um apelo ao voto nulo, que atingiu quase 20% dos votos no primeiro turno.
Segundo Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, essa quantidade elevada de votos nulos demonstra que Morales ainda tem um peso considerável entre os eleitores bolivianos. “Esse número representa, em parte, a força que Evo Morales ainda exerce na Bolívia”, aponta.
A Ascensão da Direita
A ascensão de Rodrigo Paz é vista como uma resposta ao descontentamento com a polarização política que dominou a Bolívia. Ele começou a corrida com apenas 11% nas pesquisas, mas conseguiu captar a insatisfação de cidadãos desiludidos, resultando em uma vitória surpreendente na primeira fase da disputa. O jornal local El Deber comentou que a ascensão de Paz reflete um desejo popular por alternativas fora da polarização tradicional.
Reflexões sobre 2026 no Brasil
O resultado na Bolívia gerou reações entre segmentos da direita brasileira, que veem isso como um indicativo do que pode ocorrer nas eleições de 2026 no Brasil. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, expressou otimismo com a vitória conservadora, indicando que o Brasil poderia seguir um caminho semelhante. Outros políticos, como o senador Ciro Nogueira, traçaram comparações entre o MAS e o PT, insinuando que a situação na Bolívia é um reflexo do que pode acontecer em terras brasileiras.
Contudo, especialistas como Regiane Bressan, da Unifesp, alertam que a diversidade política na América do Sul não permite simplificações. “A América do Sul não pode ser classificada de forma rígida como de direita ou esquerda, dada a alternância de governos que temos observado”, explica Bressan.
Arthur Murta também ressalta as diferenças entre os contextos dos dois países. Ele enfatiza que, ao contrário do que ocorreu com o MAS, a esquerda no Brasil, sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, permanece unida e forte. “A fragmentação que ocorreu na Bolívia não é o que estamos vendo no Brasil atualmente”, conclui.
Portanto, a dinâmica política na Bolívia pode ser uma chamada de alerta, mas cada país possui suas particularidades. O descontentamento popular com a política tradicional, a instabilidade econômica e novas demandas sociais estão moldando um novo cenário político na região, mais diverso e dinâmico.